Reviravolta Digital

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Após a divulgação dos documentos secretos do Facebook para os media pela ex-funcionária Frances Haugen, fez um depoimento em 5 de outubro ao Senado dos Estados Unidos sobre como a rede social priorizava uma lógica perversa de crescimento a todo custo em detrimento da segurança, privacidade e saúde mental dos seus utilizadores, lançou assim a empresa uma das mais profundas crises dos seus 17 anos de história.

O Facebook foi criado em 2004 como um mero site de entretenimento, boatos e mexericos para universitários, o Facebook cresceu ao ponto de se tornar não apenas um gigante no Vale do Silício, mas um agente relevante na arena política global. Várias gigantes informáticas do Vale do Silício para além de serem muito mais poderosas que governos modernos ou até que ditaduras do passado, são também dominadoras dos indivíduos.

Num artigo de 2010 do Sr. Cohen e do Sr. Schmidt "The Digital Disruption" argumentava actualmente que os governos autoritários "seriam apanhados desprevenidos quando um grande número dos seus cidadãos, armados com praticamente nada mais do que telemóveis, participassem em mini-rebeliões que desafiam a sua autoridade".

Em 2015, Mark Zuckerberg, o co-fundador e chefe executivo do Facebook. Chamou à Internet "uma força para a divulgação da paz no mundo". Conectar as pessoas no Facebook era uma forma de construir uma "comunidade global comum" com uma "compreensão partilhada" dos problemas que a humanidade enfrenta.

Oh, dias felizes. Oh, manhã feliz e confiante. Infelizmente, nos últimos dois anos, tornou-se gradualmente evidente que a Internet pode representar uma ameaça maior para as democracias do que para os ditadores.

Na linhas laterais das acusações, Mark Zuckerberg foi incluído, na quarta-feira passada, dia 20, pelo procurador-geral do Distrito de Columbia, Karl Racine, no processo sobre o escândalo da empresa britânica de marketing político Cambridge Analytica, que usou o Facebook para recolher dados de 87 milhões de pessoas, interferindo decisivamente em resultados de eleições pelo mundo.

Já é algo muito confirmado que as redes sociais impactam politicamente o mundo, mas também como oferecem ameaças à privacidade, à liberdade individual e à própria integridade física e mental dos utilizadores das mesmas.

Com isto, o Facebook entra no pânico, a bater na tecla ESC como licenciados apavorados, cujas dissertações congelaram antes de clicarem no ícone "salvar".

Os "moderadores de conteúdo" estão a ser contratados pelos milhares. Uso de inteligência artificial para automatizar o processo de filtro de conteúdo que muitas vezes falha por reportar falsos positivos e limita o discurso nas redes sociais. As contas falsas estão a ser encerradas. O News Feed está a ser "fixo" com mais filtros e algoritmos. Esc, esc, esc. Mas a página ainda está congelada. E será preciso muito mais que ESC para poder resolver isto. Algo mais como um Alt+Ctrl+Del.

O grande poder acumulado pelas plataformas como o Facebook não impacta apenas figuras de renome. No relato Uma Verdade Incômoda (Companhia das Letras) das jornalistas Sheera Frenkel e Cecilia Kang apresentam, por exemplo, em como 52 funcionários, entre janeiro de 2014 e agosto de 2015, foram demitidos por abusar do acesso a informações dos utilizadores.

Também em Algoritmos da Opressão (Rua do Sabão), a professora da Universidade da Califórnia Safiya Noble apresenta como não só as redes sociais, mas como todos os algoritmos que regem o comportamento online podem ser vulneráveis aos preconceitos inerentes às pessoas que os programam.

Para além dessas questões, algo que diz respeito a todas as pessoas, inclusive aquelas que nem mesmo utilizam a internet ou acessam as plataformas das chamadas “gigantes informáticas”, é o alardeado fim da privacidade.

Algo que diz respeito a todas as pessoas, inclusive aquelas que não utilizam a internet ou que acessam as plataformas das chamadas gigantes informáticas, é o glorificado fim da privacidade. Dois livros atacam diretamente essa questão: Privacidade é Poder (Contracorrente), da filósofa e professora da Universidade de Oxford Carissa Véliz; e A Era do Capitalismo de Vigilância (Intrínseca), da psicóloga social e professora de Harvard Shoshana Zuboff.

No seu livro, Carissa Véliz contra-argumenta uma falácia reproduzida por muitos utilizadores: o de não haver necessidade de ter receio quanto às próprias informações pessoais por serem cidadãos comuns e não celebridades ou agentes políticos. “Podes pensar que a tua privacidade está segura porque não és alguém — não és nada de especial, interessante ou importante. Não te subestimes. Se não fosses assim tão importante assim, empresas e governos não se dariam tanto trabalho para te espionar”, escreve a filósofa.

Véliz e Zuboff mostram como, apesar dos gigantescos lucros provenientes das operações das gigantes informáticas, o principal ativo de empresas como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft não são produtos, marcas, expertise ou recursos humanos: são os dados coletados de forma gratuita dos seus utilizadores. Lembra-te, se algo é gratuíto, então tu és o produto.

Comece protegendo a privacidade criando habítos que, por um lado, já deviam estar a ser feitos:

  • Não partilhe mensagens que violem a privacidade de outros, não fotografe sem consentimento, etc.
  • Em vez de pesquisar na Google, pesquise no DuckDuckGo ou SearX.
  • Signal ou XMPP, em vez do WhatsApp.
  • Não compre aparelhos de empresas que exploram os seus dados.
  • Não entregue o seu nome real ou e-mail a empresas que não precisam realmente deles.
  • Peça às empresas que apaguem os seus dados.
  • Tente sempre usar aplicações de código aberto e livres e promover alternativas descentralizadas.

Por exemplo, em redes sociais descentralizadas oferecem mais privacidade aos utilizadores. Nenhuma empresa estabelece regras de cima para baixo, recolhe dados ou ganha dinheiro com anúncios exibidos com frequência. Não é necessário concordar com a transferência de dados para uma grande empresa que no final apenas os usaria para benefício comercial.

Se a tecnologia se desenvolveu por esses caminhos de modo proposital e predatória, então, pode também haver um esforço no sentido contrário, por uma internet mais livre, inclusiva, descentralizada e segura.