Reflexões sobre o Telegram Messenger

Expresso aqui as minhas preocupações sobre o Telegram Messenger e a sua comercialização.

Se estão aqui, é porque sabem que a privacidade digital é complicada. Por mais que tente integrar princípios de privacidade digital na sua vida, vai inevitavelmente dar de caras com a realidade quando interagir com outras pessoas. E, no que toca à privacidade das mensagens, é como se os seus óculos cor-de-rosa se estilhaçassem, com os cacos a voarem direto para os seus olhos. Pode até apagar todas as suas contas de redes sociais duvidosas, encriptar os seus discos e instalar Linux no seu PC. Isso já ajuda a tornar a sua vida digital mais privada. Mas ainda vais ter que lidar com outras pessoas, muitas das quais acham sinceramente que não têm nada a esconder. E depois há a sua mãe que só usa aquela app de mensagens verde, um grupo de amigos gamers que só usam a app de voz lilás ou, talvez, até vivas na China onde aquela app tudo-em-um usada por biliões de chineses é essencial para o dia a dia. Mesmo que os seus contactos se preocupem com privacidade digital, podem acabar por escolher apps questionáveis simplesmente devido às táticas de marketing preocupantes (ou até fraudulentas) de algumas delas. Um exemplo é o Telegram.

Lançado poucos meses antes das revelações de Snowden, o Telegram vende-se como uma app de mensagens privada, aberta e segura. E muita gente confia mesmo nas suas mensagens. De facto, uma rápida pesquisa na web por “apps de mensagens privadas” deu-me quatro ligações relevantes, e todos menos um recomendavam o Telegram. Acho esta tendência bastante preocupante.

Este tipo de marketing é prejudicial e, no caso do Telegram, leva inevitavelmente a uma falsa sensação de segurança: as pessoas podem descarregar o Telegram para tornar a sua correspondência “privada”, sem se aperceberem de que as conversas no Telegram não são encriptadas por defeito. Se a opção menos segura é a predefinida, isso é um grande problema. Há quem nem saiba que as suas mensagens não estão encriptadas, e surge outro problema: se pedir a um contacto para mudar para uma sala de chat segura, ele pode pensar que tem segundas intenções. Esta última situação é bem real e já me aconteceu.

Além disso, a segurança dos protocolos personalizados MTProtov2 do Telegram ainda é motivo de séria preocupação. Embora algumas análises de segurança tenham confirmado que os protocolos são formalmente corretos, a decisão de confiar na encriptação do Telegram está nas mãos dos utilizadores individuais (embora isso se possa dizer de qualquer protocolo de encriptação, para ser honesto).

O dano causado por estas práticas de marketing torna-se ainda mais evidente quando ativistas políticos estão envolvidos. O caso dos manifestantes de Hong Kong que foram desanonimizados pelo governo chinês em 2019 serve de exemplo arrepiante. Explorando uma funcionalidade encontrada nas conversas de grupo, as autoridades conseguiram associar números de telefone aos membros dos chats de protesto coordenados no Telegram. (Ah, e já agora, tenho que mencionar que esta app de mensagens privadas também requer o seu número de telefone e pede acesso aos seus contactos… hmm?)

Portanto, ok, o Telegram pode não ser tão seguro e privado como afirma ser. Bem, talvez seja aberto, pelo menos? Isso é outro tópico controverso, infelizmente. Enquanto os clientes são de código aberto e pode construí-los por si, o servidor é proprietário. Em 2014, o Telegram prometeu lançar todo o código eventualmente, mas o código-fonte do lado do servidor ainda não está disponível publicamente. Portanto, na maior parte, a abertura do Telegram é um ponto de marketing.

E esta informação deixou-me a pensar. Para quem é, então, a app Telegram?… Nem sequer mencionei a longa história de ética de trabalho questionável na empresa ou os seus projetos de NFT. Embora esses sinais possam ser reveladores, não são tão relevantes para o seu marketing como mensageiro seguro e privado.

Nem sei o que dizer mais, por isso, acho que vou concluir o artigo com esta antiga imagem de Pavel Durov: